Cometa interestelar 3I/ATLAS libera níquel e ferro em padrão nunca visto

Cometa interestelar 3I/ATLAS libera níquel e ferro em padrão nunca visto
5 outubro 2025
bruno Recke 1 Comentários

Quando Prof. Carlos Puzia, professor da Universidade Católica do Chile divulgou os primeiros resultados das observações feitas com o Very Large Telescope (VLT) no deserto de Chile, ficou claro que o cometa interestelar 3I/ATLAS está reescrevendo o manual da química cometária. O objeto, descoberto em julho de 2025, tem jorrado quantidades de metais interestelares – níquel constante e ferro apenas próximo ao Sol – algo que nunca foi registrado nem em cometas do nosso Sistema Solar nem no único outro visitante interestelar estudado em detalhe, o 2I/Borisov.

Descoberta e primeiras medições

O VLT, equipado com espectrógrafos de alta resolução, capturou a assinatura espectral de 3I/ATLAS enquanto ele se aproximava de 1,8 UA da Terra. As linhas de absorção de níquel (Ni) eram surpreendentemente fortes e, ao contrário do que se vê em cometas típicos, permaneciam estáveis ao longo de toda a campanha de observação que durou duas semanas. O ferro (Fe), por sua vez, apareceu só quando o cometa chegou a menos de 1,5 UA do Sol, indicando um gatilho térmico que ainda intriga os especialistas.

Comportamento químico inesperado

Segundo Juan Pablo Carvajal, estudante de doutorado sob a orientação de Puzia, "nos cometas do Sistema Solar e em Borisov, o níquel sempre foi acompanhado de ferro. Aqui o níquel age como uma nota de abertura solitária, como se fosse o primeiro acorde de uma sinfonia de metal". Essa analogia ajuda a visualizar como 3I/ATLAS pode estar expondo um processo de formação que nunca ocorreu nas regiões habitacionais de planetas conhecidos.

Além dos metais, a coma do cometa é dominada por dióxido de carbono (CO₂), que forma uma nuvem de gás estendendo‑se cerca de 350.000 km ao redor do núcleo. Partículas de poeira micrométrica, semelhantes às encontradas em condritas carbonáceas, coexistem com pequenos grânulos de gelo, sugerindo uma composição híbrida entre cometa e asteroide – algo que a comunidade costuma chamar de objeto transicional.

Análises combinadas: VLT e James Webb

Em 6 de agosto de 2025, o Telescópio Espacial James Webb apontou seu Espectrógrafo de Infravermelho Próximo (NIRSpec) para o 3I/ATLAS. Os dados revelaram um núcleo com diâmetro estimado entre 0,8 e 1,2 km, bem como a presença de compostos orgânicos voláteis que complementam o quadro dos metais. "A combinação de VLT no solo e JWST no espaço é como ter duas ouvidas distintas escutando a mesma melodia", comenta Carvajal.

Implicações para a astrofísica

Implicações para a astrofísica

Os resultados sugerem que 3I/ATLAS pode ter se formado em ambientes extremos do chamado "disco grosso da Via Láctea", uma região densa e quente que existia há mais de 7 bilhões de anos. Nesses locais, a condensação de níquel poderia ocorrer sem a presença simultânea de ferro, um cenário que muda a forma como modelamos a química dos discos protoplanetários.

Além de desafiar teorias sobre a formação de cometas, a descoberta tem repercussões para a busca de matéria primordial. Se objetos interestelares podem carregar níquel puro, talvez outros elementos pesados – como platina ou ouro – também estejam presentes em circulação interestelar, o que abre novos caminhos para entender a distribuição de metais no cosmos.

Próximas observações e o periélio de outubro

O cometa alcançará seu ponto mais próximo ao Sol – periélio de 3I/ATLASSistema Solar – em 30 de outubro de 2025, a cerca de 1,4 unidades astronômicas (210 milhões de km). Apesar da proximidade, a trajetória garante que o objeto permanecerá a grandes distâncias da Terra, sem risco de impacto.

Os astrônomos planejam monitorar a atividade de níquel e ferro durante o periélio usando telescópios de hemisférios norte e sul, além de reservas de tempo no JWST para capturar espectros no infravermelho médio. A expectativa é que o aumento da radiação solar possa desencadear novas liberações de metal, oferecendo um laboratório natural para estudar reações químicas em condições que não podem ser replicadas em laboratórios terrestres.

Resumo dos principais fatos

  • 3I/ATLAS foi descoberto em julho de 2025.
  • VLT detectou níquel constante e ferro apenas próximo ao Sol.
  • James Webb forneceu medidas do tamanho e da composição orgânica.
  • Coma dominada por CO₂ e poeira micrométrica.
  • Periélio previsto para 30/10/2025 a 1,4 UA do Sol.
Frequently Asked Questions

Frequently Asked Questions

Por que a presença de níquel sem ferro é tão incomum?

Nos cometas do Sistema Solar, níquel e ferro surgem juntos porque se condensam a partir de mesmos grãos de poeira metálica. Em 3I/ATLAS, o níquel parece ter sido liberado por processos de aquecimento seletivo que não afetam o ferro, indicando que o corpo se formou em um ambiente onde a temperatura ou a composição química favorecia a separação desses metais.

Qual a diferença entre 3I/ATLAS e o cometa interestelar 2I/Borisov?

Borisov mostrou uma composição semelhante à de cometas gelados do Sistema Solar, com água, CO e CO₂ dominando a atividade. Já 3I/ATLAS tem uma assinatura rica em níquel e domina a sublimação de CO₂, além de carecer de água detectável, o que sugere origens distintas e possivelmente diferentes regiões de formação dentro da galáxia.

O que os cientistas esperam aprender com as próximas observações?

Eles pretendem mapear como a liberação de níquel varia com a distância ao Sol, observar se outros metais pesados aparecem e entender a estrutura da tênue camada de gelo que envolve o núcleo. Essas informações podem refinar modelos de formação de discos protoplanetários e da química dos primeiros sistemas planetários.

Existe risco de colisão da Terra com 3I/ATLAS?

Não. As simulações orbitais mostram que o cometa passará a cerca de 210 milhões de quilômetros do Sol, mantendo uma trajetória que o deixa a dezenas de milhões de quilômetros da Terra. Não há perigo imediato, mas sua passagem permite estudá‑lo em detalhe.

Como esses achados podem influenciar a busca por vida extraterrestre?

A presença de compostos orgânicos complexos juntamente com metais pesados indica que processos químicos avançados ocorrem em ambientes interestelares. Isso amplia o leque de lugares onde precursores de vida podem existir, reforçando a ideia de que a química necessária para a vida pode ser mais comum do que pensávamos.

bruno Recke

bruno Recke

Sou jornalista com uma paixão por notícias diárias e escrevo sobre temas variados relacionados ao cotidiano do Brasil. Meu objetivo é informar e engajar meus leitores com artigos bem elaborados e relevantes.

1 Comentários

Marcelo Mares

Marcelo Mares 5 outubro 2025

O que vemos aqui é uma oportunidade rara de calibrar nossos modelos de química de discos protoplanetários, pois o 3I/ATLAS está literalmente enviando um convite para revisitar teorias que há décadas considerávamos consolidadas.
Primeiramente, a presença constante de níquel indica que o processo de condensação ocorreu em regiões com temperaturas suficientemente altas para favorecer a formação de ligas metálicas sem a co‑sublimação simultânea de ferro.
Em seguida, o fato de o ferro só aparecer próximo ao Sol sugere um gatilho térmico específico, possivelmente associado a mudanças na atividade solar que provocam uma liberação diferencial dos átomos mais pesados.
Essa dissociação entre níquel e ferro não foi observada em cometas do nosso Sistema Solar nem em 2I/Borisov, o que nos obriga a considerar um cenário de formação em um disco mais denso e quente, como apontado pelos autores.
Além disso, a abundância de CO₂ na coma reforça a ideia de que o cometa pode ter se originado em um ambiente onde os voláteis mais leves foram segregados, enquanto os metais pesados permaneceram presos em grãos silicatados.
Os espectros de alta resolução do VLT, combinados com os dados do NIRSpec do JWST, nos dão a resolução espacial necessária para mapear a distribuição desses elementos ao longo da órbita.
Com essas observações, podemos construir perfis de temperatura e pressão que são incompatíveis com os modelos de discos frios, indicando que o “disco grosso da Via Láctea” poderia ter suportado processos de condensação seletiva.
Outro ponto relevante é a implicação para a nucleossíntese galáctica: se níquel puro pode ser transportado por objetos interestelares, talvez outros metais pesados, como platina ou ouro, estejam também espalhados por toda a galáxia, possibilitando um enriquecimento químico mais homogêneo.
Esse cenário abre portas para novas pesquisas sobre a distribuição de metais pesados em sistemas planetários jovens, influenciando inclusive a formação de atmosferas exoplanetárias.
É importante destacar que a observação contínua até o periélio em outubro será crucial para validar se o níquel continua sendo liberado de forma estável ou se haverá picos de intensidade correlacionados com a proximidade solar.
Os telescópios de hemisfério norte e sul, além do JWST, já têm janelas de tempo reservadas, o que garantirá um monitoramento quase ininterrupto.
Essa campanha de observação multissetorial pode servir como protótipo para futuros estudos de objetos interestelares que venham a ser detectados.
Em resumo, 3I/ATLAS está nos oferecendo um laboratório natural para testar hipóteses de química de alta temperatura que até então eram apenas teóricas.
Portanto, devemos aproveitar ao máximo essa janela de observação para ajustar nossos modelos e, quem sabe, descobrir novos processos químicos que podem ter sido decisivos na formação dos primeiros sistemas planetários da galáxia.

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