Delfim Netto, uma figura singular na política econômica brasileira, faleceu no último dia 12 de agosto de 2024, aos 96 anos. Nascido em 18 de maio de 1928, em São Paulo, Netto atuou como economista e professor, mas foi na política que ele verdadeiramente marcou a história do Brasil. Seu nome está indissociavelmente ligado ao período da ditadura militar, especificamente à fase mais dura do regime, simbolizada pelo Ato Institucional Número 5 (AI-5), do qual foi um dos principais arquitetos.
Netto começou sua carreira acadêmica na Universidade de São Paulo (USP), onde se formou e posteriormente lecionou. Sua entrada para a política ocorreu num momento de profunda transformação. O golpe militar de 1964 havia instaurado uma nova ordem no país, e Delfim Netto estava no cerne dessas mudanças. Em 1967, ele foi nomeado Ministro da Fazenda pelo presidente Costa e Silva, cargo que ocuparia até 1974, durante os anos mais repressivos da ditadura.
O AI-5, instituído em 13 de dezembro de 1968, conferiu amplos poderes ao Executivo, permitindo ao presidente fechar o Congresso, cassar mandatos políticos, suspender direitos civis e impor censura à imprensa. Para muitos, essa medida representou o endurecimento absoluto de um regime que já mostrava sua face autoritária. Delfim Netto, com suas ideias econômicas calcadas no desenvolvimento acelerado e na centralização do poder, tornou-se um dos rostos mais representativos dessa era.
Como Ministro da Fazenda e posteriormente Ministro do Planejamento, Delfim Netto implementou políticas econômicas que ampliaram a infraestrutura federal, investindo em grandes obras como rodovias e usinas hidrelétricas. Este período ficou conhecido como o “Milagre Econômico”. Entre 1968 e 1973, o Brasil apresentou taxas de crescimento econômico anuais próximas a 10%. No entanto, essa prosperidade teve um custo alto, com aumento da desigualdade social, repressão brutal e cerceamento das liberdades civis.
Após o término de sua passagem pelos ministérios, Netto continuou a influenciar as decisões econômicas do país, mantendo-se como conselheiro e analista. Mesmo com o retorno à democracia em 1985, sua figura jamais deixou de ser uma referência controversa. Nos anos seguintes, ele se envolveu em polêmicas e debates, sempre mantendo uma postura firme sobre suas convicções econômicas.
Apesar da controvérsia em torno de suas ações durante a ditadura, Delfim Netto foi amplamente respeitado por sua capacidade técnica e conhecimento profundo das intricadas engrenagens da economia brasileira. Ele publicou diversos livros e artigos acadêmicos, participando ativamente do debate público até seus últimos dias. Seu estilo direto e frequentemente mordaz garantiu a ele um lugar especial nas discussões sobre as políticas econômicas do país.
Aos 96 anos, Delfim Netto deixou um legado complexo. Para alguns, ele foi um gênio econômico, responsável por modernizar a infraestrutura do Brasil e promover o crescimento. Para outros, ele será lembrado como um cúmplice de um regime brutal, que empregou a economia como instrumento de opressão e exclusão.
O impacto das políticas de Delfim Netto continua a ser estudado e debatido por historiadores, economistas e cientistas políticos. Sua influência é inegável, e seu falecimento marca o fim de um capítulo excepcionalmente significativo na história do Brasil. Netto permaneceu lúcido e ativo em sua vida pública até o fim, frequentemente comentando sobre a economia brasileira, política e outros assuntos relevantes.
Seu enterro será realizado no Cemitério da Consolação, em São Paulo, e é esperado que figuras importantes da política e economia compareçam para prestar suas últimas homenagens. Delfim Netto deixa filhos, netos e uma legião de admiradores e críticos. Sua trajetória serve de lembrete de como a política e a economia se interligam profundamente, influenciando o destino de uma nação.
A figura de Delfim Netto é emblemática de um período em que a política e a economia se entrelaçaram de maneira indissociável no Brasil. Seu pensamento econômico, fortemente influenciado pelo desenvolvimentismo, pregava a necessidade de um Estado forte, capaz de dirigir o crescimento e intervir na economia para alcançar o progresso. Esse modelo, no entanto, sempre esteve cercado por controvérsias sobre a concentração de poder e a repressão que o acompanhavam.
É inegável que suas ideias foram fundamentais para o crescimento econômico do Brasil nos anos 70. Mas esse crescimento não se refletiu de maneira igual para todos os brasileiros. Muitas das políticas aplicadas por Netto beneficiaram setores específicos e contribuíram para o aumento da desigualdade, algo que ele frequentemente justificava como um sacrifício necessário para o “bem maior”.
Seus críticos argumentam que esse desenvolvimento econômico, embora notável em números, foi sustentado à custa dos direitos humanos e da liberdade. Eles apontam para os milhares de presos políticos, as torturas e os desaparecimentos que marcaram a era do AI-5. A censura à imprensa e a repressão civil foram componentes chave dessa política de desenvolvimento, mostrando que a prosperidade econômica veio acompanhada de um preço muito alto em termos sociais.
Mesmo após sua saída do governo e a redemocratização do Brasil, Delfim Netto permaneceu uma figura de destaque no cenário político e econômico. Ele trabalhou como consultor e influenciou políticas em diferentes governos subsequentes. Suas previsões econômicas e análises de conjuntura sempre encontraram espaço em grandes veículos da mídia.
Até os últimos dias de sua vida, Delfim Netto manteve-se ativo, participando de eventos, dando entrevistas e escrevendo para veículos especializados. Sua capacidade de analisar e prever cenários econômicos, combinada com sua vasta experiência, solidificou seu status como uma figura de referência, mesmo entre aqueles que discordavam de suas posições políticas.
O falecimento de Delfim Netto abre espaço para uma reflexão aprofundada sobre seu papel na história do Brasil. Ele personificou um período complexo e sombrio, marcado ao mesmo tempo por realizações econômicas e por profundo sofrimento humano. Sua vida e obra continuarão a suscitar debates, análises e estudos, um testemunho de quanto ele foi uma figura central em um dos períodos mais conturbados, e ao mesmo tempo progressistas, da história recente do Brasil.
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